Igreja de Santana – elevada a Santuário durante a Festa de Santana realizada em Julho/2018
*Festa de Santana: 24 a 26/7;
*Missa: aos sábados, 19h; aos domingos, 08h e 19h;
Alguns autores tem atribuído aos jesuitas a construção da igreja e até mesmo aventado a hipótese de colaboração de mão de obra indígena, por eles preparada, na feitura dos retábulos e de mais obras de talha.
A tradição diz que os seixos que formam o adro da igreja foram trazidos do Coxipó a grade distância e serra acima, nos ombros dos indios da missão.
A povoação (oficial) de Chapada dos Guimarães teve origem na Missão de Sant’Ana, fundada em 1751 pelo jesuita Estevão de Castro, que havia chegado na região com o primeiro governador da capitania, Dom Antonio Rolim de Moura. Seu primeiro assento foi no local denominado Aldeia Velha. Ali foi erigida uma capela coberta de palha, na qual armaram um altar e forraram de papéis pintados, onde colocaram a imagem da Senhora Sant’Ana com a Virgem no meio, e nos lados, Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier.
O padre Castro permeneceu dirigindo a missão da Chapada dos Guimarães até 1759, quando foi obrigado a retirar-se por ordem da Corte que determinava a expulsão dos jesuitas. As aldeias foram elevadas a paróquias e, assim, a igreja de Sant’Ana passou a ter prerrogativas de matriz.
Em 1778, tendo ido em diligência à Chapada dos Guimarães, o juiz de fora de Cuiabá, Dr. José Carlos Pereira, teve ocasião de ver a “palhoça, na verdade indecentíssima” em que se celebravam os ofícios divinos e que servia de matriz. E, “movido de fervoroso desejo”, concebeu o plano de construir uma grande igreja. Abaixo, a planta original da igreja.
Regressando a Cuiabá, começou a tratar de conseguir meios para levar a cabo seu projeto. Muitos tentaram dissuadi-lo, alegando a avultosa quantia de ouro necessária à obra, “para a qual não havia nem um vintém”. Além disso, “também corria que na dita missão não havia artífices que pudessem trabalhar nela, nem mesmo ainda aprendizes”, e que para “os mesmos indios que houvessem de socar as paredes, que nesta região são de terra pilada, não havia na dita missão mantimento algum para sustento, porque no ano anterior não tinham feito roças.”
Tem se aí, portanto, que a colaboração dos indígenas só podia limitar-se ao trabalho de socar a taipa nas paredes.
No ano de 1779, “depois da ultima oitava da Páscoa”, o Dr. José Carlos Pereira voltou à Chapada dos Guimarães acompanhado de vários artífices e verificou pessoalmente a existência de madeiras apropriadas e suficientes para a obra, nas matas da região.
Preparou todo o necessário e voltou à missão em princípio de maio e “começou a obra com tanta atividade, fervor e excesso, que por todo o mês de julho ficou concluída uma famosa igreja coberta de telha, rebocada e caiada, com capela-mor, sacristia e casa para os párocos, pregada à mesma igreja.”
Nessa construção ele “empregou o seu desvelo, a sua fadiga, o seu cuidado e muita parte de sua fazenda.”
No dia do Santo Inácio de Loyola, 31 de julho, pela manhã, a igreja foi benzida com toda a solenidade do ritual romano pelo vigário da vara, José Correia Leitão, que também rezou a primeira missa.
À tarde houve solene procissão que transladou para a nova igreja as imagens da antiga capela. As três foram colocadas no altar-mor, o único até então construído.
A igreja foi, portanto, construída quase 20 anos depois da expulsão dos jesuitas. Da primitiva palhoça só foram para a nova igreja as imagens: Santana, Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier.
No dia seguinte, 01 de agosto, realizou-se a festa de Santa Ana e a cerimônia de da igreja à padroeira. Ficaram expostos de cada lado do arco da capela-mor os retratos dos soberanos reinantes, D. Maria e Dom Pedro I, que a câmara municipal de Cuiabá havia encomendado para colocar na sala das sessões. (…)
Os festejos profanos constataram de “uma excelente cavalhada que satisfez muito aos mirones e outros festins de representação.”
O Dr. José Carlos mandou vir depois do Rio de Janeiro uma nova imagem de Santa
Ana com cinco palmos de alto, tendo a Virgem do lado esquerdo e na mão direita uma custódia de prata dourada para expor o Santíssimo, “cuja colocação até aquele dia não havia e foi um dos principais móveis de sua devoção.” Foi esse o motivo da denominação de Santa Ana do Sacramento, dada à igreja.
Com as chuvas que caíram na Chapada dos Guimarães e, considerando que o frontispício não poderia resistir sendo de taipa, resolveu reconstruí-lo de pedra tapanhucanga.
Aproveitou também a oportunidade para ampliar o edifício. Levantou duas torres na fachada e acrescentou um corredor de cada lado da nave. Internamente forrou a igreja de tábuas “por cima e por baixo”, fez três altares de retávulo e três ordens de grades – para o arco da capela-mor, para o cruzeiro da igreja e para o coro. Fez ainda tribunas, confessionários e guarda-pó, “por estar aquela igreja com a frente para o Norte, de cujo vento é muito açoitada.”
A estas informações das Crônicas do Cuiabá e do Compnêndio Histórico Cronológico podemos acrescentar a fornecida por Pizarro e Araújo, de que o Dr. José Carlos aproveitou a oportunidade da reconstrução do frontispício para “aumentar com vinte palmos mais o comprimento do seu corpo.”
Em 1781, tendo deixado o cargo que exercia, demorou-se o Dr. José Carlos ainda em Cuiabá para encaminhar a conclusão da igreja da Chapada dos Guimarães e também da de São Gonçalo (Cuiabá).
Na Chapada dos Guimarães já estava concluída “de todo a obra projetada e até a do excelente adro que lhe fez, todo empedrado de seixos roliços conduzidos em bestas desde o rio Coxipó, que dista da missão seis léguas e com o inconveniente de subir a serra.”
Entretanto, como lhe faltara “o douramento dos altares, arco e tudo o mais que é de talha, assim como a pintura de tudo o que se acha em forro liso, não sossega enquanto não dá as providencias para sua efetiva conclusão.”
Por essa época achava-se em Cuiabá, trabalhando no douramento da matriz, o mestre dourador e pintor João Marcos Ferreira, que viera das minas de Goiás. Aproveitou a ocasião o Dr. José Carlos e contratou com ele todo o douramento e pintura de que precisasse a igreja de Chapada dos Guimarães, “de que logo se lavrou escritura pública.”
Teve de esmola para essa obra 64 oitavas de ouro que legou em testamento o padre João Alves Torres, pároco da missão, que falecera em abril daquele ano (1781), e que já em vida havia dado de esmola para a mesma 400 oitavas de ouro. O padre Francisco Xavier Leite de Almeida deu para o douramento 780 oitavas por lhe haver o Dr. Carlos conseguido o provimento nessa igreja, evitando assim que fosse mandado para São Luiz da Vila Maria do Paraguai.
Em fevereiro de 1783, novamente, a chuva foi tão forte em Chapada dos Guimarães, que fez cair por terra “a parede da capela-mor que fica por detrás do retábulo do altar, aquela mesma em que o dito retábulo se firmava; porque, como fica dito, da parte sul donde no presente ano vinham as maiores tempestades e forças d’água, não puderam resistir ao ímpeto delas.”
O novo juiz de fora de cuiabá, Antonio Rodrigues Gaioso, foi a Chapada dos Guimarães examinar o estrago e, “considerando o total desamparo da missão, porque os indios e seus habitantes são, como todos sabem, capazes para destruir e não para conservar”, pediu esmolas para o conserto, “que concluiu e ficou na verdade muito bom; porque não só lhe fez parede no lugar da caida, mais grossa e bem mais segura, como também levantou outra mais adiante com as mesmas circunstâncias da primeira, e lhe correu telhado da cumieira da capela-mor, que veio fazer coirada sobre a segunda, de sorte que hoje as águas do sul de forma nenhuma chegam a própria parede da igreja.
Uma última notícia que interessa à história da igreja de Chapada dos Guimarães encontramos nas Crônicas do Cuyabá – quando o Dr. José Carlos Pereira, na viagem para o Reino, chegou a Ararituaguaba, encontrou ali, por coincidência, a nova imagem de Sant’Ana do Sacramento que havia mandado vir do Rio de Janeiro, e que estava aguardando monção para Cuiabá.
A maior parte da documentação da igreja de Santa Ana perdeu-se ou extraviou-se. Entretanto a Casa da Ínsua – solar da família Albuquerque em Portugal – guarda os dois preciosos projetos setencionistas. O “prospecto da igreja da Aldeia da Chapada”, que representa os alçados laterais e principal da primeira construção (1779) e o “prospecto da igreja Matriz da Senhora Santa Ana do Sacramento”, que representa os alçados lateral e principal e a planta do projeto de 1780.
Lâmpada de prata
A igreja de Santa Ana sempre despertou a atenção dos viajantes que passaram pela Chapada dos Guimarães. O desenhista da expedição Langsdorff, Hércules Florence, que ali esteve em 1827, teve dela a seguinte impressão: “A acanhada igreja nada apresenta de notável no exterior. Interiormente, porém, se bem decadente, é, guardadas as proporções, a mais rica de toda a província em ornamentos e baixos relevos dourados. Ninguém pensa, por certo, encontrar tais restos de riquezas numa decadente aldeia da província de Mato Grosso.”
Há ainda uma imagem de São Miguel Arcanjo e outra de São José de botas, colocadas nos dois pequenos altares que ladeiam o arco do Cruzeiro. Há três belas lâmpadas de prata, uma diante de cada altar, e um conjunto de prata de coroa, cetro e salva das festas do Divino Espírito Santo.
Acima: São Miguel Arcanjo; abaixo: São José de botas, escultura que retrata o santo com vestes de bandeirante.
Grande parte da barra de azulejos portugueses do século XVIII que contornava internamente toda a igreja conserva-se. Causa admiração ter sido importado, em época remota, através dos longos e trabalhosos caminhos do sertão, material tão quebradiço e difícil de transporte.
A igreja de Santana, como é chamada hoje, foi a primeira a ser tombada como patrimônio histórico em Mato Grosso, em 1957.Após o tombamento as intervenções na igreja de Santana do Sacramento passaram a ser controladas e executadas pelo Iphan. Três grandes obras de restauração foram realizadas no templo: uma em 1977, outra entre 1994 a 1996 e a mais recente em 2008. Em 2009 a igreja passou por uma pequena restauração e já está aberta a visitação.
Fonte: livro de João Eloy de Souza Neves, “Chapada dos Guimarães, da descoberta aos dias atuais” – 1979
Em Julho/2018 a Igreja foi elevada a Santuário.